quinta-feira, 17 de março de 2016

Atenção para não se deixar agarrar pelas representações dominantes

'Trechos.
(...) Atenção para não se deixar agarrar pelas representações dominantes. Como se a representação corrente de uma grande inteligência supusesse a obrigação de um grande destino. Isto não é uma crítica, é claro. Mas uma constatação. A explicação? O medo. Pois na sua leitura acelerada da vida, o adulto sobredotado se reconecta brutalmente a ele mesmo, a todas as questões meticulosamente abafadas. A resposta é mais sutil, mas complexa. Trata-se menos de fazer algo de diferente que de ser enfim si mesmo.
~ O BB, Brillant Bosseur, não é o sobredotado... É a origem da confusão. Pensar que aquele que tem êxito brilhantemente é forçosamente sobredotado. Então mistura-se duas características distintas. O Brilhante Hard-Working (B. Bosseur) é aquele que possui uma grande inteligência mas adaptativa. Uma forma de inteligência parecida àquela de todos. Somente diferente em quantidade e não em qualidade. O primeiro tem uma inteligência quantitativamente superior mas qualitativamente idêntica. De mais, com esta inteligência adaptativa, saberá otimizar trabalhando para fazer uma força de sucesso exemplar, no sentido mais clássico do termo.
Mas esses BBs se distinguem dos sobredotados pela sua facilidade de utilizar seu potencial cujas formas adaptadas convêm bem à nossa sociedade. De outro lado, a natureza da inteligência mais intensa, desenfreada, do sobredotado, torna seu mais difícil. Para ele, o combate é ele mesmo primeiro. É chegar a aprisionar, dosar, canalizar seu pensamento e sua compreensão tentacular do mundo em um curso linear e concentrado. Tudo apaziguando as asperezas as mais sensíveis e dolorosas de sua sensibilidade. É seu primeiro desafio. Depois, somente depois, ele poderá se interrogar sobre como fazer com o mundo?
~ 'L'émotion pour un surdoué s'insinue partout, tout le temps, dans les moindres interstices. Et quelquefois, on joue à l'adulte.'
O sobredotado é particularmente dotado na matéria: ele capta toda sorte de emoções, mesmo a mais tênue. Eles sabem antecipá-la. 
~ Todos os sentidos a serviço do prazer de viver. A hiperestesia redobra as possibilidades. A colocação em ação de todos os sentidos simultaneamente e sua notável capacidade de discriminação, dão ao sobredotado uma presença no mundo fora do comum. A hiperestesia amplifica todas as percepções. Ela permite criar o bonito lá onde outros não verão senão o banal. Ela ilumina o mundo pela densidade emocional que todos os sentidos proporcionam. A hiperestesia pode ser utilizada para capturar o ambiente e o magnificar. Utilizar todos os sentidos para abraçar o mundo. Tudo sentir pode ser um imenso prazer e a fonte de momentos mágicos de vida.
~ A sensibilidade poética e estética, culto ao Belo.
~ A hipersensibilidade invasiva. Sentir tão forte as emoções, a vida que vibra em torno de si. Tudo perceber, amplificado, aumentado, incontornável. Captar e registrar o mais ínfimo detalhe. Aquele tão insignificante, que não atravessou a barreira da consciência. Então, inchado de emoções, de sensações, a vida torna um relevo admirável, uma densidade rara. Intensa.
~ A incompreensão recíproca do mundo. Não se compreende os outros.. e somos incompreendidos. 
Como compreender o incompreensível? O sentido. Primeiro o sentido. Sempre o sentido. O motivo condutor do funcionamento do sobredotado, a procura obstinada e incoercível. A busca do sentido das coisas, do sentido preciso das coisas, absoluto. O risco? A procurar um sentido a tudo acaba-se por encontrar o absurdo, o não-sentido. O simples bom senso não tem mais curso. Então como compreender o incompreensível? E o sobredotado, decepcionado, não compreende mais. Retorna nas questões jamais resolvidas.
Compreender de outra forma produz bem estranhos malentendidos. Na sua vida profissional, é o leito de numerosas decepções e de malentendidos por vezes irreversíveis.
~ Na vida pessoal ou no universo profissional, esta inteligência singular, capaz de pensar um problema ativando simultaneamente representações múltiplas, alarga consideravelmente a compreensão e a análise. Cada problema pode ser estudado sob vários ângulos. Tudo será explorado. E, ao final, uma avaliação rara e exaustiva, um poder de reflexão fora do comum, uma visão esclarecida e potencial. Um imenso trunfo a utilizar sem moderação!
~ A evasão pelo pensamento. O mais frequente é falar disso como uma crítica. Critica-se, na infância e mesmo no adulto, evadir-se no pensamento. Pode-se compreender que este funcionamento possa ser irritante ou perturbador em certas situações. Mas é também uma maneira muito útil de utilizar os recursos de pensamento. O imaginário rico alimentado pela memória, a exarcebação de todos os sentidos e as capacidades de associação podem fabricar um sonho suficientemente forte para vos extrair momentaneamente e vos alimentar. O corpo resta lá mas o espírito se destaca e todo nosso ser, físico e psíquico, participa da viagem. Um verdadeiro prazer. Uma verdadeira regalia para todos os sentidos e em todos os sentidos. Um pleno de energia. 
~ Confunde-se, na realidade, sucesso, aquele comumente admitido por todos, e sentimento de sucesso, que escapa às regras estabelecidas. O sentimento de sucesso é íntimo, pessoal, resulta de uma alquimia sutil. Experimentar o sentimento de ter êxito em sua vida é independente do ambiente.
Para o sobredotado, preso a múltiplas interrogações, a uma colocação em questão incessante, como pensar o sucesso? Pode-se somente o pensar? Para o sobredotado, isto não pode ser senão um sentimento flutuante, instável.
Para o sobredotado, ter sucesso, é possível? Não como ele gostaria. Jamais à altura do ideal que ele tem da vida e de si mesmo. Para ele, obter êxito, é fazer avançar a humanidade, o mundo. Não se trata de um sucesso profissional clássico. Não é perfeitamente isto para um sobredotado, mesmo se ele participa disto. Ele vive com uma visão mais transcendental do sucesso. O sobredotado está raramente satisfeito. A imagem do sucesso que ele pode por vezes dar não está jamais sincronizado com sua visão do mundo. 
"Meu projeto, você irá certamente zombar de mim, confessa-me Julien, seria de ajudar a humanidade a melhor viver." Ainda encontra-se murmurando, consciente da megalomania de seu desejo, que o que desejaria, seria ser como Jesus ou Buda para transmitir uma mensagem ao mundo e fazer profundamente evoluir os homens.
Vê-se o abismo que separa o que aparece da realidade e o sonho grandioso. Mas que incomoda, sempre, o sobredotado. Mesmo quando ele não diz nada e que parece tão arrumado numa vida clássica de felicidades simples e no sucesso complacente. Não se enganem: no fundo de si, o projeto insensato continua a murmurar.
~ Quando o tempo não está sincronizado com o que se vive: não poder aproveitar as coisas. É uma combinação da falha espaço-temporal e da diferença do tempo: o sobredotado tem dificuldade de estar totalmente no que ele faz, no que ele vive. Seu pensamento o conduz a analisar seu presente em lembranças ou num passado mais amplo, mas também a se projetar num futuro onde ele se recordará do que ele está em forma de viver no aqui e agora. 
~ A falha espaço-temporal: Viver em vários espaços-tempos. Isto se complica ainda. O sobredotado se sente multi-idade, mas ele se situa igualmente em vários espaços-tempos: passado-presente-futuro. Tempo do vivido individual, mas que é também recolocado no contexto do espaço-tempo do universo. Impossibilidade do sobredotado de se desatar do contexto. Sua existência, sua razão de ser e de viver é dependente dA Vida, ocm um A e um V maiúsculos. Sua vida é ligada ao sentido do munod. Mesmo se o sentido lhe escapa, ele não pode se considerar como isolado do resto. Toda sua vida pessoal é perpetuamente colocada em perspectiva à escala do universo. Para o sobredotado, somente esta perspectiva universal e intemporal pode ter sentido e dar sentido à vida comum de cada um. 
~ Aquele que tem a idade do mundo. Mas eis outra face inesperada. A parte infantil do sobredotado, smepre muito presente, costeia uma outra percepção: se sentir multi-idade. A sensação, segundo as circunstâncias, os contextos, as pessoas com as quais se encontra, de ter simultaneamente ou sucessivamente níveis de maturidade diferentes.
(...) Atenção, eu não estou em vias de dizer que o sobredotado é todo-poderoso e onipotente. Mas eu digo que seu modo de funcionamento, sob as versões intelectual e afetiva, dão a ele uma hipermaturidade muito característica. Uma criança hipermadura! A hipermaturidade deve ser aqui compreendida como esta capacidade única de analisar com uma lucidez exemplar todas as componentes de uma situação e aí se adaptar. Ou lutar contra, o que torna-se o mesmo em termos de mecanismo.
Os adultos sobredotados partilham uma característica perfeitamente surpreendente e entretanto bem escondida: uma parte infantil ainda muito presente. Então, algumas vezes, brinca-se de adulto, dá-se ares de adulto... tudo sonhando como uma criança!
O mais frequente, a criança sobredotada cresceu sabendo. Sua capacidade de sentir o outro, os outros, sua receptividade emocional, suas capacidades de percepção e de análise tinham enviado a ela a mensagem: atenção, ilusão! Ela adquiriu muito cedo a certeza que ser adulto não está conforme às imagens que estes últimos tentaram mostrar.
~ Toda a sua hipersensibilidade à disposição do prazer de viver!
~ A lucidez estonteante. como viver com esta lucidez que inunda tudo que o cerca. Não identificada nos manuais de psicologia. Que escruta o menor recanto. Uma lucidez que penetra o mais profundo do outro. A lucidez do sobredotado é tanto mais potente quanto ela se alimenta de uma dupla fonte: a inteligência aguçada que disseca e analisa, a hiper.receptibilidade emocional que absorve a mais ínfima partícula de emoção ambiente.
~ Todo o funcionamento intelectual e afetivo aguça os contornos, desde criança, claro.
~ etc.
tradução Viviane Anetti (J.S.-Facchin, autora francesa)